28 de out. de 2009

A contusão no bolso do jogador

Mais do que romper o ligamento, distender um músculo ou quebrar a perna, a contusão que o jogador de futebol mais teme é a do bolso. O cartola sabe desse ponto fraco. Basta um pisar na bola e tome multa, tantos por cento a menos no contracheque. Tem dirigente que ainda por cima é cara-de-pau e desconta até o salário que está em atraso. Assim como todo mundo, o atleta obviamente não gosta da história, mas na frente da imprensa faz uma cara blasé e finge que não está nem aí, que é assim mesmo e que isso não é “pobrema”.

"Afinal, será que esses malditos sabem quanto está o
litro do leite, da cerveja ou da água oxigenada?"

Por dentro, não, fica remoendo, jurando um “eles vão ver, eles vão ver”, enquanto pensa nos subtraídos trocados dos filhos, da esposa, das amantes, dos vendedores de cordões de ouro, dos negociadores de carrão de luxo e demais gêneros de primeira necessidade de todo desportista que se preze. Afinal, será que esses malditos sabem quanto está o litro do leite, da cerveja ou da água oxigenada? E maria-chuteira com cabelo preto ninguém merece. Imagino a cena, o boleiro entrando no departamento financeiro do clube e perguntando ao diretor: “E aí, doutor, é grave?”. Do outro lado do birô, o burocrata barrigudo consulta o extrato do banco como quem vê o resultado de uma ressonância magnética. “Quarenta por cento”, responde, meneando a cabeça de um lado para o outro, com o pesar de quem está dando uma notícia fatal. A vítima então cai no chão e começa a rolar, se contorcendo como se tivesse levado um bicudo na canela. Só que ao invés de esfregar a mão na perna, acaricia o vilipendiado bolso. Perder grana é pior que desperdiçar pênalti em final de campeonato ou esquentar o banco uma temporada inteira. E olha que calção de jogador nem bolso tem.

27 de out. de 2009

As verdeiras dicas para o feriadão

Praia, bar, restaurante, passeio de barco etecétera e tal. Quando um feriadão se avizinha, os jornais se enchem de sugestões para os leitores ansiosos por um dolce far niente. Mas não é bem assim. Com a experiência de quem teve a audácia de seguir os conselhos da imprensa nos dois últimos feriadões, eis o que na verdade esperam vocês no final de semana prolongado:

Sightseeing pela feira de Abreu e Lima: parada obrigatória para quem vai ao Litoral Norte, não porque há o que se fazer lá, e sim, pelo engarrafamento. Reserve pelo menos uma hora de seu feriadão para conferir pessoas atravessando fora da faixa de pedestre, e vendedores com galinhas vivas penduradas nos ombros.

Pare e siga em Goiana: com as obras de duplicação da BR 101 Norte é bem provável que você encontre um pela frente. Trata-se de um homenzinho girando uma plaquinha escrita de um lado “pare” e do outro “siga”, atrapalhando assim o fluxo na via. Aproveite a fila quilométrica para conferir como andam as obras na estrada e se seu filho ficar pentelhando no carro, aponte para um dos tratores estacionados no acostamento e diga para ele: “Olhe, filho, um trator”. Funciona pelo menos na primeira vez.

Blitz do bafômetro em Tamandaré: esqueça os passeios de bugue em Natal. Medo, mesmo, dá encarar a blitz do Detran em Tamandaré, armada na única avenida da cidade, de 9h até o último cliente. São mais de 50 agentes fardados e prontos para confiscarem a sua carteira ao mínimo sinal de que você cometeu o crime de tomar uma caipirosca ou um copo americano de cerveja bem gelada. E não adianta argumentar que está fazendo 40 graus na sombra, pois o guarda sabe disso e, assim como você, gostaria de estar enchendo a caveira ao invés de passar o dia enfiando um trambolho na boca dos outros. Caso contrário, ele seria dentista, não é mesmo?

Arrastão na PE-60: um clássico do verão pernambucano, situado bem na saída de Porto de Galinhas. Venha sentir um friozinho na barriga (se seu carro tiver ar-condicionado, é claro), acompanhado de milhares de outros turistas que deixaram para sair da praia no último dia do feriadão. Assalto à mão armada, arrastões e outros tipos de táticas para levar até o último centavo do seu dinheiro. A dica é ter muito cuidado se for desesperadamente deixar o carro para não ser atropelado por um motorista metido a esperto que vem cortando o trânsito pelo acostamento.

25 de out. de 2009

Não “bullying” comigo


Nada é mais denunciador que dizer “na minha época”. Mas na falta de algo melhor, serve. Na minha época de estudante de Ensino Fundamental não tinha essa história de bullying. Aliás, em mil novecentos e antigamente não tinha nem Ensino Fundamental, era Ginasial. Não que o bullying inexistisse, só não era batizado e ninguém se preocupava com isso. Ser importunado por um galalau na escola era tão natural quanto usar farda. E como sempre fui desfavorecido verticalmente, terminava alvo fácil de um grandalhão que resolvia passar o recreio fazendo origami com meus braços. Levar telefone, então, nem se fala. Ainda hoje ouço um zumbido no ouvido quando passo em frente ao Nóbrega. Cascudo tomei de rodo. Impreterivelmente antes da aula de matemática, patrocinado por um veterano do Científico que tentava abrir minha cabeça para trigonometria. Sou analfabeto entre hipotenusas e catetos, mas não foi por falta de dedicação dele. Porém, meu pior pesadelo era o repetente. No fim das férias até a missa eu ia, comungar e tudo, implorando aos céus para que na sala não houvesse um. Minhas preces, contudo, não foram atendidas na sexta-série. No primeiro dia, apareceu um repetente, com erre maiúsculo, só para se ter uma idéia, de barba e fumando.
"Meu pior pesadelo era o repetente. No fim das férias até a missa eu ia, comungar e tudo, implorando aos céus para que na sala não houvesse um"
Na sexta-série, nem o professor tem barba e fuma. Como um imã, o repetente sentou justamente ao meu lado. Tentei não ficar pensando na modalidade de tortura que sofreria e me concentrei na aula. Foi quando fiz um comentário jocoso sobre o assunto e o repetente riu. Fiz outro. Novo riso. Estava salvo. Se bancar o bobo da corte me faria amigo do rei, ótimo, melhor que arrancarem a minha cueca pela cabeça. Garanti um ano tranquilo e aprendi: não há nada melhor contra a força que a inteligência. Desde então, ninguém mais “bullying” comigo.

20 de out. de 2009

Oh, linda! situação para uma dívida...



Está certo que a Justiça tarda, mas assim é exagero. A prefeitura de Olinda vai cobrar uma dívida de 500 anos, da época de Duarte Coelho. Ninguém sabe como o primeiro donatário da Capitania Hereditária de Pernambuco usaria o dinheiro, mas certo mesmo que não era para calçar a rua do Fortim. Até porque o forte não havia sido construído em 1537. Daquela época, só os buracos, verdadeiro patrimônios históricos da humanidade, talvez a melhor desculpa para que ninguém tenha tido coragem de tapá-los. Feliz era Duarte Coelho, pois a roda da carroça dele não furava porque era de madeira.
"Estou curioso se pode dividir
também em 500 anos.
Daria umas seis mil parcelas mensais"
Ainda não recebi uma das sete mil cartas enviadas cobrando o xexo do meu tatatatatatatatataravô e fiquei na dúvida se o boleto virá pelo correio ou amarrado na canela de um pombo, como se fazia cobrança expressa na época. No lugar do código de barras, imagino, há um carimbo com a insígnia do Império. Só não sei se o valor é em reais ou vinténs? Estou curioso se pode dividir também em 500 anos. Daria umas seis mil parcelas mensais, um carnê da espessura de um paralelepípedo. Como o Banco do Brasil foi fundado apenas em 1808, o devedor secular deve ir diretamente ao primeiro andar do Museu do Estado e depositar a quantia numa barroca caixa de jóias, que repousa numa cristaleira século 16, à esquerda do penico de louça portuguesa. Fique atento às punições, que também remontam ao período imperial, e vão desde chibatadas no pelourinho a usar uma máscara de ferro, em caso de atraso. Ao invés de ter o nome publicado no SPC, o contribuinte que não quitar o débito pode terminar empalado ou ter os ossos esticados numa roda. E não se esqueça de manter guardados todos os recibos. Pelo menos nos próximos cinco séculos.

19 de out. de 2009

Levanta-te e dança!


Fazia um calor de proporções bíblicas e uma moto parada no sinal na descida da Ponte da Torre trazia um adesivo sobre a placa dizendo “Jesus está chegando”. Coincidência ou não, fazia sentido. Afinal, ele estava realmente a caminho, não para guiar os tementes ao Paraíso, e sim, para botar o rebanho techno para dançar. O namorado de Madona se chama Jesus, porém foi ela quem operou o milagre da multiplicação de talento do até então franciscano modelo, que agora se divide entre as passarelas internacionais e as pick ups da vida. Um Jesus Superstar, com furos não nas mãos, mas nas orelhas, e o cabelo tratado a mimo no Éden dos salões, em contraste com o modelo lambido e sem-corte do original, meio anos 70... 70 a.C.. Em comum, apenas a barriga tanquinho. Enquanto o sinal não abria, refleti sobre a heresia de Jesus voltar e, ao invés de aparecer na Assembléia de Deus, se apresentar num club, uma espécie de sucursal de Sodoma e Gomorra na Terra.

"O namorado de Madona se chama Jesus, porém foi ela quem operou o milagre da multiplicação de talento"

Cercado pelos fiéis, Jesus trocaria o ficar de joelhos pelo rebolado e, para celebrar a comunhão, levantaria o Iphone sobre a cabeça, antes de conectá-lo ao notebook e assim despejar um set list celestial, capaz de fazer o mais incrédulo ateu ter a certeza que, sim, Jesus existe. Lá pelas tantas, se alguém começasse a temer que o fim estivesse próximo, Jesus pediria aos garçons para transformar água em Red Bull e dirigiria aos sentados um “levanta-te e dança!”, ensinando o caminho do Céu. Uma buzina me tirou do transe. O semáforo abriu e a moto desapareceu, ziguezagueando pelo trânsito. Demorei um pouco a partir e acabei irritando um motorista que, adivinhando meu pensamento, baixou o vidro da janela e resumiu a história berrando um mais que pertinente “acorda para Jesus!”.

Ecologicamente incorreto


O chavão no jornalismo ambiental é quase sempre ecologicamente incorreto. Feito água e óleo, não se misturam. Ou pelo menos, não deveriam, a fim de não poluir tanto o oceano quanto o seu trabalho. Para não agredir a natureza, o texto pede a extinção do lugar-comum. Nesta área, por exemplo, não se mata dois coelhos com uma cajadada só, nem se engole sapo, ou se quebra galho, muito menos se em cada um deles tiver um macaco.

"O jornalista engajado com o meio ambiente prefere dois
pássaros voando a um na mão"

Responsável, o repórter verde não deve matar um leão por dia. Precisa, sim, saber o que está fazendo, para não ficar vendo chifre em cabeça de cavalo. Aí pode dar até zebra e, convenhamos, sempre pega mal pagar um mico. Nunca bote lenha na fogueira e, caso haja fumaça, é melhor que não tenha fogo. Já o rio, tudo bem, pode correr sempre para o mar, mesmo que ele não esteja para peixe. Como um bom escoteiro, é preciso olhos de águia para ver que, se desse mato sair alguma coisa, ótimo. Não há problema em ser um amigo da onça, desde que nunca a cutuque com vara curta, especialmente na hora dela beber água. O chefe é uma víbora? Paciência, saiba que hoje você é a caça, porém haverá um dia do caçador. O jornalista engajado com o meio ambiente prefere dois pássaros voando a um na mão e acha errado não se olhar os dentes de um cavalo, mesmo dado. Ao sabor do vento, anda sempre com a cabeça erguida, com a consciência tranqüila do dever cumprido, ciente de que não deixou a vaca ir para o brejo. É claro que vez ou outra haverá uma pedra no meio do caminho, mas nada melhor que um dia atrás do outro para ele perceber que uma andorinha só, pode sim, fazer verão.